quinta-feira, 30 de agosto de 2012

Lucíola, José de Alencar


Mais um para a série Literatura para Vestibular:
Baci



José de Alencar é nosso autor brasileiro que priorizava a valorização das “coisas nacionais”, falando de tipos humanos de várias regiões e de várias épocas, construindo um amplo cenário de nossa história, de nossa terra e de nossa gente....


Lucíola (1862) é um romance em que homem e mulher são capazes de amadurecimento interior conforme a narrativa se desenrola. Retrata rapazes e moças elegantes que são reprimidos pelo moralismo e que vivem histórias de conquistas e decepções amorosas. É um romance ousado, pois, pela primeira vez o tema da prostituição é tratado de forma nua e crua e são descritas cenas íntimas e bacanais.

E mais, retrata a sociedade do Rio de Janeiro do final do século XIX e início do século XX, principalmente a burguesia, tradicional e rica, e seus costumes.


É dado destaque aos aspectos negativos da natureza humana, principalmente uma sociedade hipócrita, onde prevalecia o “faça o que eu digo, mas não faça o que eu faço”... Quem mais falava da vida dos outros é quem mais fazia escondido.

Couto, por exemplo, é um velho depravado que representa a sociedade que explora e corrompe.
Dr. Sá e Rochinha são representantes da sociedade preconceituosa, mas depravada e incutem em 
Paulo as desconfianças, a malícia, o machismo e os desrespeito com relação à Lúcia.

Uma sociedade fofoqueira onde a preocupação com a vida dos outros é muito maior do que a preocupação com as suas próprias:
“Há aqui no Rio de Janeiro certa classe de gente que se ocupa mais com a vida dos outros, do que com a sua própria; e em parte dou-lhes razão; de que viveriam eles sem isso, quando têm a alma oca e vazia?” (p. 63).
“Há certas vidas que não se pertencem, mas à sociedade onde existem. Tu és uma celebridade pela beleza, como outras os são pelo talento e pela posição. O público, em troca do favor e admiração de que cerca os seus ídolos, pede-lhes conta de todas as suas ações” (p. 66).

É traçado um panorama da vida nacional fazendo uma fotografia da miscigenação racial e principalmente, social:
“Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o africano puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as profissões, desde o banqueiro até o mendigo; finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja, desfilam em face de mim, roçando a seda e a casimira pela baeta ou pelo algodão, misturando os perfumes delicados às impuras exalações, o fumo aromático do havana às acres baforadas do cigarro de palha” (p. 14).

São diversas dualidades presentes em Lucíola, dentre elas:
moral x paixão;
amor x dinheiro;
pobreza x dignidade

Narrado em 1ª pessoa, é Paulo que conta a uma senhora os fatos ocorridos:
“Escrevi as páginas que lhe envio, às quais a senhora dará um título e o destino que merecem. É um perfil de mulher apenas esboçado.
Desculpe, se alguma vez a fizer corar sob os seus cabelos brancos, pura e santa coroa de uma virtude que eu respeito” (p. 13)

Essa amiga (senhora) é quem publica a história como mostra a apresentação:
“Reuni suas cartas e fiz um livro.
“Eis o destino que lhes dou: quanto ao título, não me foi difícil achar. O nome da moça, cujo perfil o senhor desenhou com tanto esmero, lembrou-me o nome de um inseto”.
“Lucíola é o lampiro noturno (vagalume) que brilha de uma luz tão viva no seio da trava e à beira dos charcos. Não será a imagem verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”



É através do distanciamento temporal que a narrativa se torna possível, pois a narração é ativada pela memória.

Paulo, o narrador é um pernambucano de 25 anos e recém-formado: “Era bem pobre; mas estava independente, formado, no ardor da mocidade e sem encargos de família” (p. 48).

Desviando o foco da atenção para as memórias de outras personagens, o narrador que revela poucas informações sobre si mesmo. Dentre as poucas informações que temos dele é com relação ao seu comportamento reservado: “[...] é hábito meu, desde que entrei no mundo, não admitir os estranhos à intimidade de minha vida, ainda mesmo quando se trata de objetos sem consequências. Só dispo a minha alma entre amigos” (p. 31).

Homem provinciano, Paulo conta as suas primeiras impressões da vida da Corte:
“A corte tem mil seduções que arrebatam um provinciano aos seus hábitos, e o atordoam e preocupam tanto, que só ao cabo de algum tempo o restituem à posse de si mesmo e ao livre uso de sua pessoa.
Assim me aconteceu. Reuniões, teatros, apresentações às notabilidades políticas, literárias e financeiras de um e outro sexo; passeios aos arrebaldes; visitas de cerimônia e jantares obrigados; [...]” (p. 18)

É também perturbado com seus sentimentos:
“A consciência que eu tinha, de não ser bastante rico para essa mulher, pungia-me tanto e a cada momento, que à menor palavra dúbia, ao menor gesto equívoco, os meus brios se revoltavam. Farejava uma ironia até no seu próprio desinteresse, que podia ser inspirado pelo conhecimento da minha pobreza” (p. 60).

No início, o que o impelia para Lucia era atração sexual. Paulo, então, não a entende e transmite ao leitor suas incertezas e desconfianças
“Não julgue porém que estava resolvido a separar-me por uma vez de Lúcia; minha coragem não chegava a tanto. O que eu desejava era demitir de mim um título que me esmagava na minha pobreza, o título de amante exclusivo da mais elegante e mais bonita cortesã do Rio de Janeiro” (p. 66).

Na verdade, os conflitos íntimos das personagens e entre elas é o confronto do indivíduo com a sociedade do Rio de Janeiro - movida pelo dinheiro e preocupada com aparências;

O conflito e a contradição também estão presentes em Lúcia. Ela transita entre a cortesã sedutora e caprichosa, linda, cobiçada e depravada do Rio de Janeiro e Maria da Glória, menina inocente e simples, para quem a prostituição era um tormento, e os atos sensuais eram autopunições aliados ao grande sentimento de culpa:
“A expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelavam a cortesã franca e impudente; o contraste inexplicável da palavra e da fisionomia, junto a vaga reminiscência do meu espírito, me preocupavam sem querer” (p.16)
“Quando me lembrava das palavras que lhe tinha ouvido na Glória, do modo por que Sá a tratara e de outras circunstâncias, como do seu isolamento a par do luxo que ostentava, tudo me parecia claro; mas se me voltava para aquela fisionomia doce e calma, perfumada com uns longes de melancolia; se encontrava o seu olhar límpido e sereno; se via o gesto quase infantil, o sorriso meigo e a atitude singela e modesta, o meu pensamento impregnado de desejos lascivos se depurava de repente, como o ar se depura com as brisas do mar que lavam as exalações da terra” (p. 19)

O romance Lucíola descreve a tragetória do amor entre Lúcia e Paulo em três momentos: o primeiro – desnudamento da Lúcia-prostituta, cujo ponto culminante é a festa na chácara de Sá; o segundo – processo através do qual Paulo toma conhecimento das regras que regulam o mundo da prostituição, cujo ponto culminante é a cena que retrata Lúcia na manhã posterior ao baile do Paraíso; o terceiro – revelação de Maria da Glória caracterizada por outros hábitos e sentimentos, dos quais a simplicidade no modo de vestir-se consiste no primeiro reflexo.

É o duelo entre o amor físico e o amor espiritual:
Paulo, com sua ingenuidade provinciana e sem estar acostumado à maliciosa maledicência da Corte, será o único a perceber a inocência e a virgindade espiritual da prostituta
Lúcia, apaixonada, sofrerá pouco a pouco uma transformação que fará renascer nela a adolescente pura e ingênua, eliminando a prostituta escandalosa

E por fim, José Alencar deve dar uma solução moralista – a morte de Lúcia: a redenção só será alcançada pela autopunição e morte – a destruição do corpo proporciona a sobrevivência e supremacia do amor espiritual!!!

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