Mais um para a série Literatura para Vestibular:
Baci
José de Alencar é nosso autor brasileiro que priorizava a valorização
das “coisas nacionais”, falando de tipos humanos de várias regiões e de várias
épocas, construindo um amplo cenário de nossa história, de nossa terra e de
nossa gente....
Lucíola (1862) é um romance em que homem e mulher são capazes
de amadurecimento interior conforme a narrativa se desenrola. Retrata rapazes e
moças elegantes que são reprimidos pelo moralismo e que vivem histórias de
conquistas e decepções amorosas. É um romance ousado, pois, pela primeira vez o
tema da prostituição é tratado de forma nua e crua e são descritas cenas
íntimas e bacanais.
E mais, retrata a sociedade do Rio de Janeiro do final do
século XIX e início do século XX, principalmente a burguesia, tradicional e
rica, e seus costumes.
É dado destaque aos aspectos negativos da natureza humana,
principalmente uma sociedade hipócrita, onde prevalecia o “faça o que eu digo,
mas não faça o que eu faço”... Quem mais falava da vida dos outros é quem mais
fazia escondido.
Couto, por exemplo, é um velho depravado que representa a
sociedade que explora e corrompe.
Dr. Sá e Rochinha são representantes da sociedade
preconceituosa, mas depravada e incutem em
Paulo as desconfianças, a malícia, o
machismo e os desrespeito com relação à Lúcia.
Uma sociedade fofoqueira onde a preocupação com a vida dos
outros é muito maior do que a preocupação com as suas próprias:
“Há aqui no Rio de Janeiro certa classe de gente que se
ocupa mais com a vida dos outros, do que com a sua própria; e em parte dou-lhes
razão; de que viveriam eles sem isso, quando têm a alma oca e vazia?” (p. 63).
“Há certas vidas que não se pertencem, mas à sociedade onde
existem. Tu és uma celebridade pela beleza, como outras os são pelo talento e
pela posição. O público, em troca do favor e admiração de que cerca os seus
ídolos, pede-lhes conta de todas as suas ações” (p. 66).
É traçado um panorama da vida nacional fazendo uma
fotografia da miscigenação racial e principalmente, social:
“Todas as raças, desde o caucasiano sem mescla até o
africano puro; todas as posições, desde as ilustrações da política, da fortuna
ou do talento, até o proletário humilde e desconhecido; todas as profissões,
desde o banqueiro até o mendigo; finalmente, todos os tipos grotescos da sociedade
brasileira, desde a arrogante nulidade até a vil lisonja, desfilam em face de
mim, roçando a seda e a casimira pela baeta ou pelo algodão, misturando os
perfumes delicados às impuras exalações, o fumo aromático do havana às acres
baforadas do cigarro de palha” (p. 14).
São diversas dualidades presentes em Lucíola, dentre elas:
moral x paixão;
amor x dinheiro;
pobreza x dignidade
Narrado em 1ª pessoa, é Paulo que conta a uma senhora os
fatos ocorridos:
“Escrevi as páginas que lhe envio, às quais a senhora dará
um título e o destino que merecem. É um perfil de mulher apenas esboçado.
Desculpe, se alguma vez a fizer corar sob os seus cabelos
brancos, pura e santa coroa de uma virtude que eu respeito” (p. 13)
Essa amiga (senhora) é quem publica a história como mostra a
apresentação:
“Reuni suas cartas e fiz um livro.
“Eis o destino que lhes dou: quanto ao título, não me foi
difícil achar. O nome da moça, cujo perfil o senhor desenhou com tanto esmero,
lembrou-me o nome de um inseto”.
“Lucíola é o lampiro noturno (vagalume) que brilha de uma
luz tão viva no seio da trava e à beira dos charcos. Não será a imagem
verdadeira da mulher que no abismo da perdição conserva a pureza d’alma?”
É através do distanciamento temporal que a narrativa se
torna possível, pois a narração é ativada pela memória.
Paulo, o narrador é um pernambucano de 25 anos e
recém-formado: “Era bem pobre; mas estava independente, formado, no ardor da
mocidade e sem encargos de família” (p. 48).
Desviando o foco da atenção para as memórias de outras
personagens, o narrador que revela poucas informações sobre si mesmo. Dentre as
poucas informações que temos dele é com relação ao seu comportamento reservado:
“[...] é hábito meu, desde que entrei no mundo, não admitir os estranhos à
intimidade de minha vida, ainda mesmo quando se trata de objetos sem
consequências. Só dispo a minha alma entre amigos” (p. 31).
Homem provinciano, Paulo conta as suas primeiras impressões
da vida da Corte:
“A corte tem mil seduções que arrebatam um provinciano aos
seus hábitos, e o atordoam e preocupam tanto, que só ao cabo de algum tempo o
restituem à posse de si mesmo e ao livre uso de sua pessoa.
Assim me aconteceu. Reuniões, teatros, apresentações às
notabilidades políticas, literárias e financeiras de um e outro sexo; passeios
aos arrebaldes; visitas de cerimônia e jantares obrigados; [...]” (p. 18)
É também perturbado com seus sentimentos:
“A consciência que eu tinha, de não ser bastante rico para
essa mulher, pungia-me tanto e a cada momento, que à menor palavra dúbia, ao
menor gesto equívoco, os meus brios se revoltavam. Farejava uma ironia até no
seu próprio desinteresse, que podia ser inspirado pelo conhecimento da minha
pobreza” (p. 60).
No início, o que o impelia para Lucia era atração sexual.
Paulo, então, não a entende e transmite ao leitor suas incertezas e
desconfianças
“Não julgue porém que estava resolvido a separar-me por uma
vez de Lúcia; minha coragem não chegava a tanto. O que eu desejava era demitir
de mim um título que me esmagava na minha pobreza, o título de amante exclusivo
da mais elegante e mais bonita cortesã do Rio de Janeiro” (p. 66).
Na verdade, os conflitos íntimos das personagens e entre
elas é o confronto do indivíduo com a sociedade do Rio de Janeiro - movida pelo
dinheiro e preocupada com aparências;
O conflito e a contradição também estão presentes em Lúcia.
Ela transita entre a cortesã sedutora e caprichosa, linda, cobiçada e depravada
do Rio de Janeiro e Maria da Glória, menina inocente e simples, para quem a
prostituição era um tormento, e os atos sensuais eram autopunições aliados ao
grande sentimento de culpa:
“A expressão cândida do rosto e a graciosa modéstia do
gesto, ainda mesmo quando os lábios dessa mulher revelavam a cortesã franca e
impudente; o contraste inexplicável da palavra e da fisionomia,
junto a vaga reminiscência do meu espírito, me preocupavam sem querer” (p.16)
“Quando me lembrava das palavras que lhe tinha ouvido na
Glória, do modo por que Sá a tratara e de outras circunstâncias, como do seu
isolamento a par do luxo que ostentava, tudo me parecia claro; mas se me
voltava para aquela fisionomia doce e calma, perfumada com uns longes de
melancolia; se encontrava o seu olhar límpido e sereno; se via o gesto quase
infantil, o sorriso meigo e a atitude singela e modesta, o meu pensamento
impregnado de desejos lascivos se depurava de repente, como o ar se depura com
as brisas do mar que lavam as exalações da terra” (p. 19)
O romance Lucíola descreve a tragetória do amor entre Lúcia
e Paulo em três momentos: o primeiro – desnudamento da Lúcia-prostituta, cujo
ponto culminante é a festa na chácara de Sá; o segundo – processo através do
qual Paulo toma conhecimento das regras que regulam o mundo da prostituição,
cujo ponto culminante é a cena que retrata Lúcia na manhã posterior ao baile do
Paraíso; o terceiro – revelação de Maria da Glória caracterizada por outros
hábitos e sentimentos, dos quais a simplicidade no modo de vestir-se consiste
no primeiro reflexo.
É o duelo entre o
amor físico e o amor espiritual:
Paulo, com sua ingenuidade provinciana e sem estar
acostumado à maliciosa maledicência da Corte, será o único a perceber a
inocência e a virgindade espiritual da prostituta
Lúcia, apaixonada, sofrerá pouco a pouco uma transformação
que fará renascer nela a adolescente pura e ingênua, eliminando a prostituta
escandalosa
E por fim, José Alencar deve dar uma solução moralista – a
morte de Lúcia: a redenção só será alcançada pela autopunição e morte –
a destruição do corpo proporciona a sobrevivência e supremacia do amor
espiritual!!!
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